sábado, 16 de março de 2013

Caros Amigos,

Segue abaixo breve estudo que publiquei na Revista Letrado do Instituto dos Advogados de São Paulo sobre Responsabilidade Civil Preventiva.
Abraços,


Marcelo




Responsabilidade Civil Preventiva 




Marcelo Benacchio 

Associado Fundador do Instituto de Direito Privado 




No século XXI a responsabilidade civil emerge como um dos institutos jurídicos de destacada importância na ordenação dos comportamentos sociais. As atuais compreensões do ilícito civil – desconformidade ao Direito – para além do ato meramente culposo repercutiram na possibilidade da previsibilidade das condutas das pessoas nas relações jurídicas a partir das prescrições normativas, sobretudo nas atividades econômicas. 

Essa situação pode ser constatada no âmbito das relações de consumo. Após a vigência do Código de Defesa do Consumidor houve mudança no comportamento das empresas (ora fornecedores) perante seus clientes (consumidores) ocorrendo investimentos destinados a evitar situações econômicas desfavoráveis qualificadas juridicamente como dano pela legislação consumerista, até mesmo é possível o abandono de atividades com alto potencial lesivo por comprometer a finalidade lucrativa do exercício da livre iniciativa. 

A previsão de um sistema de responsabilidade civil subjetiva ou objetiva em determinada área repercute no inter-relacionamento dos comportamentos das possíveis vítimas e responsáveis no concernente à adoção de cuidados para se evitar danos, porquanto cada um atua por meio da previsão da conduta do outro conforme a natureza da norma jurídica de responsabilidade civil incidente, sendo possível a aplicação da teoria dos jogos na consideração do comportamento dos envolvidos a exemplo de um pedestre e um motorista (BAIRD, Douglas G., GERTNER, Robert H. e PICKER, Randal C. Game theory and the law. Cambridge: Harvard University, 2003, p. 14-28). 

As normas de responsabilidade civil determinam os modos de atuação dos seres humanos na vida social, diante da inevitabilidade dos conflitos e possibilidade de danos haverá a acomodação das atividades e comportamentos das pessoas. 

O anunciado ocaso da responsabilidade civil substituída com vantagens pelos sistemas de seguro individual e coletivo – todos os danos seriam objeto de reparação – não ocorreu justamente pelo enorme custo de um sistema de regulação de comportamento social no qual os responsáveis não teriam incentivos na adoção de condutas não danosas, porquanto somente o ente segurador (estatal ou privado) suportaria as consequências dos comportamentos ilícitos. 

Enfim, a responsabilidade civil permanece como imprescindível na regulação do comportamento social. 

A compreensão do fim objetivado pela norma de responsabilidade civil determina a investigação das funções da responsabilidade civil. Conforme variações de tempo e lugar, sem uma linha evolutiva temporal clara no passar dos séculos, a responsabilidade civil assume funções atinentes ao ressarcimento do dano por meio da indenização da vítima ou, caso possível, o restabelecimento do status quo ante, punição do responsável e prevenção de danos (TUNC, André. La responsabilité civile. Paris: Economica, 1989, p. 133-134, e ALPA, Guido. Trattato di diritto civile: la responsabilità civile. Milano: Giuffrè, 1999, p. 131-132). 

Desde a revolução francesa a responsabilidade civil foi reduzida à função reparatória, porquanto a mera reparação é conforme aos cânones da liberdade e da vontade. Nessa perspectiva a responsabilidade civil passou a depender, sempre, da presença do dano, impossível sua aplicação à falta do pressuposto do dano, sem dano não haveria responsabilidade civil alguma. 

Desde meados do século passado, a escalada geométrica da tecnologia e a consequente possibilidade de novas lesões antes impensadas, a consciência ecológica e a preocupação com as futuras gerações comprovaram a absoluta insuficiência da função meramente reparatória da responsabilidade civil para a consecução dos objetivos maiores da sociedade. 

A sociedade do risco (BECK, Ulrich La sociedad del riesgo. Barcelona: Paidós, 2006) tornou clara a necessidade de repensar a responsabilidade civil para além de sua função reparatória, designadamente a função punitiva e preventiva, obscurecidas por longo período de uma “permissão” do dano desde que houvesse atuação da “reparação”. 

A função reparatória olha para o passado sendo conformada e limitada pela extensão do dano, assim havendo perdas efetivas (danos emergentes) e ou impossibilidade de ganhos (lucros cessantes) caberá o pagamento do equivalente ou, caso possível, o restabelecimento da situação existente antes da ocorrência do dano. 

A função punitiva não tem sua atenção no dano em si, mas na conduta culposa, presente culpa grave ou dolo caberá atuação da responsabilidade civil para punir o ofensor por meio da restrição, perda de um direito ou o pagamento de quantia em dinheiro (pena privada). Novamente, a par da diversidade do fim almejado pela norma, o foco é no passado, portanto, após a configuração do dano. 

Finalmente, a função preventiva da responsabilidade civil é voltada ao futuro, pois, atua antes da eclosão do dano. Nessa linha, é portadora de dois pontos centrais: (i) evitar a repetição de danos e, (ii) impedir a realização do dano por meio de ações concretas destinadas à evitá-lo. 

Esse primeiro aspecto (evitar novos danos) é bastante conhecido por decorrente da função reparatória, o freio à produção de novos danos decorre do conhecimento do responsável acerca de outras condenações e, diante disso, a responsabilidade civil intimida o responsável na prática de outros danos, o que se irradia por toda a sociedade (PESSOA JORGE, Fernando. Ensaio sobre os pressupostos da responsabilidade civil. Coimbra: Almedina, 1995, p. 48). 

Tal caráter não tem sido efetivo ante a possibilidade da realização de cálculo econômico redundando no chamado lucro ilícito – as situações nas quais o dano compensa, valendo a pena do ponto de vista econômico. Normalmente são relações de massa nas quais é previsível que nem todos os lesados ingressarão com ações judiciais para reparação do dano, por ínfimos individualmente, bem como quando há possibilidade da realização de seguro com a divisão de seu custo entre as prováveis vítimas (SOUSA ANTUNES, Henrique. Da inclusão do lucro ilícito e de efeitos punitivos entre as consequências da responsabilidade civil extracontratual: a sua legitimação pelo dano. Coimbra: Coimbra, 2011). 

A situação mais interessante e menos conhecida é a outra característica mencionada – atuação da norma de responsabilidade civil antes da eclosão do dano. Acentue-se a desvinculação entre a responsabilidade civil e o dano, repercutindo no reconhecimento de duas espécies de responsabilidade civil – a responsabilidade civil reparatória e a responsabilidade civil preventiva, esta última objeto de nossas considerações (LOPEZ, Teresa Ancona. Princípio da precaução e evolução da responsabilidade civil. São Paulo: Quartier Latin, 2010, p. 133-140). 

Os bens jurídicos insuscetíveis de reparação, como os direitos da personalidade (honra, vida, integridade corporal, saúde), e os de difícil reparação (obras de arte, meio ambiente, direitos difusos) somente podem ser adequadamente tutelados por meio da incidência da norma de responsabilidade civil antes do dano (responsabilidade civil preventiva). 

As vantagens dessa perspectiva preventiva são evidentes, reputada a absoluta proteção de bens jurídicos, a redução dos custos econômicos do dano e as consequentes vantagens sociais ao se evitar o desperdício de recursos – o dano não interessa a ninguém diminuindo a riqueza de todos. 

Não obstante, alguns profissionais de nossa área ficam presos à ultrapassada função reparatória, exigindo a presença do dano para pugnarem pela aplicação das normas de responsabilidade civil. 

A responsabilidade civil preventiva atua antes da concretização do dano, impedindo-o, por meio dos princípios da prevenção e da precaução no gerenciamento dos riscos incidentes no caso concreto. 

Tais princípios encerram noções diversas, apesar de objetivarem a mesma finalidade – evitar o dano eliminado as possibilidades de risco. 

O princípio da prevenção envolve riscos determinados, o princípio da precaução trata de riscos incertos, prováveis; assim a distinção entre ambos opera no grau subjetivo do risco, na prevenção é certa a opção entre a realização do risco ou sua não realização, na precaução a opção realização/não realização é duvidosa, portanto, na prevenção a incerteza da realização do risco introduz um o risco do risco (TAPINOS, Daphné. Prévention, précaution et responsabilité civile. Paris: L´Harmattan, 2008, p. 59). 

A responsabilidade civil preventiva é conforme a garantia constitucional prevista no art. 5º, incs. V, X e XXXV, da Constituição Federal, pois, há garantia da atuação da norma de responsabilidade no caso da simples ameaça de dano. 

Da mesma forma o art. 12 do Código Civil não deixa dúvidas acerca da previsão da responsabilidade civil preventiva na lei substantiva civil. Em espectro mais amplo temos o art. 225, parágrafo 1º, inc. V e VII, da Constituição da República, tratando da aplicação do princípio da precaução no Direito Ambiental, aliás, seu nascedouro; bem como o art. 6, inc. I e VI, do Código de Defesa do Consumidor ao referir a prevenção de danos. 

Estamos diante de um novo paradigma científico da responsabilidade civil (KUHN, Thomas S. A estrutura das revoluções científicas. São Paulo: Perspectiva, 2007) concernente à aplicação da norma de responsabilidade civil antes da ocorrência do dano, obrigando-nos repensar os modelos científicos de solução empregados atualmente no quais o dano é posto como uma exigência para a responsabilidade civil. 

São manifestações da responsabilidade civil preventiva os julgados relativamente à interdição de locais insalubres, impossibilidade da publicação de notícias ofensivas aos direitos da personalidade e o embargo de obras, entre outras. Apesar da atuação da tutela inibitória no campo processual, no âmbito do direito material não tem sido comum sua utilização para fundar pretensões correlatas ao controle e eliminação dos riscos de danos.







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