quinta-feira, 21 de março de 2013

Caros Amigos,

Segue texto inédito e gentilmente cedido pelo Prof. Dr Mario Antonio Silveira, Desembargador do Tribunal de Justiça, Mestre e Doutor pela PUC/SP, Professor da Escola Paulista da Magistratura, autor de livros e artigos na área jurídica e literária.
Abraços,


Marcelo





HERÓI DA RENÚNCIA


A história do mundo é contada de tempos em tempos por atos humanos que, aparentemente, chocam os mais crédulos por fugirem da normalidade ou da tradição da vida.
Os homens que praticam esses atos marcam seus tempos e passam para história, enfrentando duas situações totalmente díspares. Num primeiro momento, são rotulados de incompetentes ou até de traidores para com o que e para quem representavam até então. Posteriormente, com o avançar dos anos, a história faz justiça e os devolve ao lugar destaque.
O escritor espanhol Javier Cercas, em seu livro Anatomia de um Instante, cita a distinção do poeta Hans Magnus Enzensberger a respeito dos heróis da vitória e da retirada.
Enumera na história européia Mikhail Gorbachev, Wosciech Jaruzelski e Adolfo Suárez, como heróis da retirada. O primeiro, por ter sacrificado sua vida política para consolidar a democracia no leste Europeu e desmontar o totalitarismo da União das Republicas Soviéticas. O segundo, nos moldes do primeiro, mas na situação peculiar de seu país, passou de traidor dos ideais comunistas, ao renunciar ao cargo de Primeiro Secretário, tornar-se Chefe de Estado e direcionar a Polonia para a democracia. O terceiro, com seu firme comportamento perante um golpe de estado militar praticado dentro do parlamento e investido na autoridade de Primeiro Ministro o enfrentou, renunciou ao mandato, mas consolidou a democracia espanhola.
Os heróis da vitória, também conhecidos como heróis do triunfo, asseguram o júbilo de suas ações instantaneamente e, nos dias de hoje, são vitoriosos graças às ações da mídia, dos meios eletrônicos de comunicação, massificando a opinião pública, sem necessidade de exércitos ou ações militares.
Os heróis da retirada podem ser chamados de heróis da renúncia, uma vez que renunciam à idolatria pessoal em prol da consolidação de uma situação coletiva e duradoura. Nas terras tupiniquins encontramos na nossa história moderna, Fernando Henrique Cardoso como típico herói da renúncia. Após estabilizar a economia da nação e consolidar a transmissão do poder de forma democrática, passou a integrar o esquecimento e o abandono eleitoral do povo.
Neste particular, duas situações se apresentam. A primeira recai no horror que os governos fortes possuem da neutralidade com os partidos contrários, conforme o escritor judeu-alemão Victor Klemperer, nas lições do filósofo Roberto Romano. A segunda funda-se na ausência de uma investidura essencialmente tomada à força. O governo forte pode ter sido investido no poder em decorrência de eleições livres, escondendo-se sob o manto da democracia, a ponto de não denotar sua intransigência. Os governos fortes se aparelham em todos os cargos e investem em quadros comparativos com os antecessores, diante da necessidade de existir o confronto e o adversário. Esse confronto se faz presente sempre que o adversário ou antecessor é uma árvore que faz sombra.
Fernando Henrique Cardoso deve ser enquadrado como o herói da renúncia, embora não tenha sofrido a incompreensão e a ingratidão do povo pelo voto, pois se retirou por vontade própria do front eleitoral.
No último mês, o mundo se viu diante de uma das mais espetaculares renúncias da história. O Papa Bento XVI renunciou ao papado da Igreja Católica Romana para voltar a ser simplesmente o padre Joseph Aloisius Ratzinger e recolher-se pelos seus últimos anos à vida de meditação.
Comentários das mais diversas ordens, principalmente de católicos praticantes, foram emitidos no sentido de não ser razoável a renúncia ao papa; que o Papa João Paulo II definhou-se fisicamente no papado, mas ali continuou até a morte, e que o cargo de Papa é de Deus, não cabendo renúncia.
Ocorre que o Papa é um ser humano como os outros sete bilhões de habitantes da terra. Possui todos os vícios humanos, reações e algumas qualidades diferenciadas, necessárias até em decorrência do exercício do papado.
O então Papa Bento XVI, inteligente, e acima de tudo consciente como homem que é, analisou os parâmetros críticos de seu Estado, Vaticano, nas mais diversas áreas: um Estado que passa por uma crise financeira; por abalos de corrupção no seu banco estatal; por violações de direitos humanos, numa das suas piores qualificações, a pedofilia; pela perda de seguidores ante o avanço de outras crenças e religiões pelo mundo afora e, mesmo sendo nominalmente a maior religião do mundo ocidental, não é aquela que reúne mais fiéis praticantes. Além dessas situações fáticas, apresenta-se gravíssima a divisão em correntes ideológicas, políticas e sociais no colegiado de cardeais, inclusive com a interferência de alguns a favor dos padres pedófilos de suas dioceses ou de governos totalitários.
Cônscio de todos esses fatos, o Cardeal Ratzinger teve ainda plena consciência de que seu estado físico não lhe proporcionaria condições e autoridade para harmonizar o consistório e determinar novos rumos à Igreja Católica Romana. Por ter sido, durante 20 anos, assessor do Papa João Paulo II, possuía clara noção da impotência que a doença física causa àquele que tem a obrigação de reger um Estado de homens com a aparência de que é somente espiritual.
Diante desse quadro, apresentou-se um quarto membro aos heróis da renúncia de Enzensberger, o Cardeal Ratzinger. No primeiro momento, muitos continuam a não se conformar com o ato do Papa. Sobreporão a ele a ingratidão e o abandono, inclusive já o rotularam de Bento “O Breve”: - Àquele que fala em nome de Deus não é dado o direito de renunciar.
A credibilidade da débil Igreja Católica no mundo necessitava de uma reforma. O Cardeal Ratzinger sabia disso, providenciou um processo de substituição de forma a garantir a eleição de um Cardeal de um país periférico mundialmente, rotulado de 3º Mundo, e do fim do mundo, segundo o próprio Papa Francisco I.
A visão do Cardeal Ratzinger com sua renúncia abriu as portas para a busca da unificação clerical e colocou 24 horas por dia a Igreja Católica Romana na mídia de todo mundo, além de ratificar que todos os caminhos levam à Roma, diante do número de Chefes de Estados presentes na posse do novo papa.
O Cardeal Ratzinger com sua retirada preferiu submeter-se ao abandono, ao esquecimento e à incompreensão em prol de algo maior, o redirecionamento da igreja da qual era o Sumo Sacerdote. A história reservará a ele um lugar no mausoléu dos heróis da renúncia.


                                       Mario Antonio Silveira
                                                                                               20/03/2013

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